Jornal Diário de Notícias: Entrevista com Dona Isabel, Duquesa de Bragança
O jornal "Diário de Notícias",
de Portugal, divulgou em 25 de julho de 2015, uma entrevista com Sua Alteza
Real, Dona Isabel, Duquesa de Bragança. O jornalista Nuno Saraiva, que se
confessou republicano, demonstrou, através da descontraída matéria, toda a
importância de uma Família Real, desmistificando seus próprios conceitos e
ajudando a entender que a Monarquia, uma das mais tradicionais instituições,
conseguiu, através dos tempos, atualizar-se.
Dona Isabel e Dom Duarte, Duques de Bragança,
de jure Rei e Rainha de Portugal
Imagem: Casa Real de Portugal
Ao leitor do Blog Monarquia
Já, a despeito do tom jocoso e pouco respeitador dado pelo entrevistador,
típico de um republicano que não entende o verdadeiro valor dos símbolos nacionais,
pede-se que aproveitem a essência da matéria e as lições contidas nas falas da
Duquesa de Bragança.
Confira:
"O espírito monárquico
e a religião têm de ser dados aos filhos a conta gotas, porque se não ficam
ateus e republicanos"
Por Nuno Saraiva, em
25/07/2015, em Diário de Notícias, de Portugal
Almoço com Isabel de Herédia
À chegada ao segundo andar
do prédio onde vivem os duques de Bragança, a porta abre-se. Eu, republicano
empedernido e preconceituoso, convenci-me de que ia ser recebido por um mordomo
daqueles à antiga com suíças até ao queixo ou por uma empregada impecavelmente
vestida e engomada. Estupefacto, dou de caras com Duarte Pio e Isabel de
Herédia a fazerem o acolhimento. "Entre, entre", dizem-me com uma
naturalidade e uma descontração familiares.
Cheguei preparado para um
chá com a mulher casada há 20 anos com o pretendente ao trono português. Mas
está calor, muito calor. Quase que convocamos a ironia do Eça para dizer que
"está de ananases". As janelas da sala cheia de fotografias dos
infantes estão abertas para que o ar circule. Dispo o casaco e alivio o nó da
gravata. O duque de Bragança, que está de saída, pendura-mo no bengaleiro de
chão arrumado a um canto do hall de entrada. "O que é que quer beber? Uma
cerveja, um sumo..." Ainda estou pasmo. São eles que fazem tudo. Fico-me
pela água fresca que há de ajudar-me, ao longo da conversa, a engolir as
fantasias, porventura injustas, que fui construindo ao longo da vida sobre
estas pessoas. É a duquesa, dona de uma discrição impressionante, quem vai à
cozinha buscar o jarro e serve os copos.
Sentamo-nos, frente a frente, vigiados pelo olhar de Jesus Cristo pregado na cruz gigante que domina a sala de estar. Licenciada em Gestão e especializada em Finanças na Universidade Getúlio Vargas, em São Paulo, trabalhou na empresa do amigo António Bustorff como gestora de fortunas e património até 1995. Depois do casamento com Duarte Pio, desistiu da carreira. "Abdiquei a nível financeiro. Ainda acompanhei os mercados durante um tempo, e de vez em quando ainda acompanho, mas mudei de ramo. Ainda tentei continuar a trabalhar, mas como tinha de passar muito tempo fora a acompanhar o meu marido - na altura ainda não tinha as crianças - comecei a achar que não era justo estar lá e acabei por sair." Dedica-se, até hoje, à gestão dos imóveis da família, herança deixada ao marido pela última rainha de Portugal. "Faço a gestão deste património, que a rainha D. Amélia deixou diretamente ao meu marido. Foram os únicos prédios com que Salazar, quando fez a Fundação Casa de Bragança, não pôde ficar. Esses prédios têm vindo a ser restaurados. Tínhamos uma inquilina, até há pouco tempo, que tinha feito o contrato de arrendamento com a rainha D. Amélia. Por isso imagine a renda que ela pagava. Gostávamos imenso dela, era uma querida, mas a renda era realmente muito baixa. E, ao longo deste anos, o esforço foi tentar recuperar os apartamentos, os prédios, aumentar as rendas e fazer que as casas fossem autossuficientes."
O duque de Bragança diz, por
graça, que Isabel é "a ministra das Finanças" da família. A duquesa
sorri e confirma que tem queda para a tirania financeira. "Normalmente,
quando vamos às compras, o meu marido gosta de ser mais gastador e eu sou mais
mão de vaca, sou mais forreta. Temos de ter atenção. Quando estamos em funções
de representação temos de representar bem quem somos e o país a que
pertencemos. Mas depois, no dia-a-dia, somos pessoas normais e discretas. Não
esbanjamos, não precisamos de estar a gastar de mais. Neste momento, não há
nenhuma família que não tenha de ter atenção ao orçamento e que não faça
contas. Não se pode dar passos maiores do que a perna. E faço questão de não
ultrapassar os limites."
Monárquica desde que se
conhece, "não me lembro de não ser", Isabel de Herédia não tem
dúvidas de que as monarquias são melhores do que as repúblicas. "Por
exemplo, se perguntarmos a qualquer pessoa quem é o presidente da Alemanha,
ninguém sabe. Se perguntarmos quem é o rei de Espanha, de Inglaterra, da
Holanda ou do Luxemburgo, quase toda a gente sabe. Depois começamos a
aprofundar mais, e indagamos quais são as economias mais desenvolvidas, onde é
que as liberdades são mais respeitadas, etc. É nas monarquias." A pergunta
é óbvia mas inevitável. Acredita mesmo que um dia vai ser rainha de Portugal?
"Há uma certa barreira, sobretudo da parte política. Às vezes pergunto-me:
vivemos numa democracia, defendemos a democracia, toda a gente acha e sabemos
que os países mais desenvolvidos da Europa são os que têm monarquia. Mas
depois, na nossa democracia que é tão boa, há um artigo na Constituição que
proíbe o referendo e que as pessoas se pronunciem sobre o modelo de governo.
Acho que é um bocadinho hipócrita. Às vezes irrita-me um bocadinho esta coisa:
se vivemos num país democrático, porque é que não deixam o povo escolher?
Agora, não penso se vou ser rainha ou não vou. De certa maneira já me sinto,
mas digo sempre que Nossa Senhora é que é a rainha de Portugal e por isso sinto--me
muito mais à vontade. Mas, de certa maneira, quando estou lá fora a representar
Portugal, ou cá dentro, quando estamos a educar os nossos filhos, o espírito de
serviço, nós temos uma posição oficiosa. As pessoas, quando vou na rua,
perguntam como é que estão os nossos meninos. Isto é, não são meus são de
todos. Tenho essa noção de que a minha família é de todos. Há uns que gostam
mais, outros que gostam menos, e há uns que não ligam nenhuma. Mas também sei
que há muitos que nos consideram família deles."
O filho mais velho, Afonso
de Santa Maria, tem 19 anos. Porque o pai, Duarte Pio, já fez 70, há de assumir
um dia a função de pretendente ao trono. "Isso, às vezes, pesa-lhe um
bocadinho", reconhece. E a dúvida que me assalta é a de saber como é que
se educa alguém para uma coisa que, constitucionalmente, não existe. "É
uma responsabilidade. Para qualquer pai é difícil. No fundo, o que queremos
sempre é que os nossos filhos sejam felizes, sejam confiantes, desenvolvam as
suas capacidades e que sigam a sua vocação. O espírito monárquico e de serviço
monárquico e a religião têm de ser dados a conta gotas, porque se não ficam
ateus e republicanos [risos). Se os começarmos a obrigar a ir a tudo eles
reagem e dizem "eu não quero isto para nada". Mas eles, desde
pequenos, têm vindo a acompanhar-nos, quer cá dentro quer lá fora. E, de facto,
a nossa maior preocupação é que eles tenham confiança e se sintam felizes, que
tenham este amor a Portugal que nós os dois temos, e que tenham esta noção
histórica daquilo que representam. E eles sabem, porque nós dizemos sempre,
mesmo que vocês não venham a ser chamados, vocês são quem são. E isso tem uma
responsabilidade."
Habituada ao convívio com
cabeças coroadas e outras sem trono, não esconde admiração pela rainha de
Inglaterra, Isabel II, pelos monarcas espanhóis Juan Carlos e Sofia, pela
rainha Beatriz da Holanda ou pelo rei Balduíno da Bélgica, que morreu em 1993.
Mas é com Semeão da Bulgária, o rei deposto pelos comunistas e forçado a 50
anos de exílio, que tem mais empatia.
Apesar dos títulos
nobiliárquicos, Isabel de Herédia é mulher informal. Gosta de coisas simples e
mundanas. De caminhadas manhã cedo, de ir à praia e nadar no mar ou de montar a
cavalo, o que não faz há muito tempo, porque "me dá paz de espírito".
É apaixonada por livros. O que mais a marcou foi O Perfume, de Patrick Suskind,
porque "os cheiros estavam lá todos". Devora romances históricos,
aprecia António Lobo Antunes ou Agustina. "Quando era mais nova, tive uma
fase em que adorava o Camilo Castelo Branco. E até é engraçado que ainda agora
o meu filho fez um trabalho que era uma comparação entre o Shakespeare e o
Camilo Castelo Branco." Sempre que pode vai ao cinema, mas também fica em
frente à televisão agarrada a uma boa série. "A Maria José Nogueira Pinto
aconselhou-me uma vez a ver o Prision Break. Era fantástico." De ter
amigos em casa e fazer jantares. "Não sou uma supercozinheira, mas as
poucas coisas que faço, acho que faço bem." E até de contar anedotas. Sim,
porque é pessoa como as outras, garante. "Quando fiz o curso de Defesa
Nacional, algumas das pessoas que lá estavam olhavam para mim e tive aquela
sensação de que "o que é que esta está aqui a fazer?". Para muitos,
se calhar, estou sentada à espera de ir para um jantar, ou para uma festa, ou
outra coisa qualquer, e não faço mais nada. Tomara muitas vezes poder dormir.
Mas não me custa, que sou uma pessoa que acordo muito cedo. Mas somos
normalíssimos, depois temos é mais este trabalho."
Os dias começam cedo, às
vezes antes do nascer do Sol, pelas seis da manhã. "Os meus e-mails
seguem, normalmente, a essa hora. Está tudo a dormir e é quando consigo ter
tempo para ler o correio ou para ver as notícias. Depois, sempre que posso,
gosto de ir andar. Leio e ponho uma série de coisas que estão atrasadas em dia.
Até há pouco tempo, fazia questão de ir levar os meus filhos ao colégio, que é
quando conversamos um bocado e rezamos o terço. Depois vou para o escritório,
que é por baixo de casa. Na hora do almoço, se não tenho nada marcado, vou para
a ginástica, que é outra coisa de que eu preciso. E depois, se possível, gosto
de poder estar em casa a partir das quatro ou cinco horas da tarde, que é
quando eles chegam e às vezes é preciso alguma coisa."
Ser rainha sem coroa tem,
apesar de tudo, algumas vantagens. "Por um lado dá mais trabalho no
sentido em que temos as responsabilidades e os deveres todos, mas não temos
staff nenhum que nos ajude em coisas que nos facilitavam a vida. Por outro,
tenho muito mais liberdade para dizer e fazer o que quero, enquanto as rainhas
não podem tomar certas atitudes que eu posso. Se fosse rainha de facto, se
calhar não podia guiar sozinha quando quero e para onde quero. Provavelmente
tinha de ter guarda--costas. E teria, seguramente, menos liberdade. É claro que
há coisas em que tomo cuidado porque o que dizemos tem consequências. Quer
dizer, nem sei se tomo muito cuidado. Não sou uma pessoa que dê escândalos,
para infelicidade de muita gente" [risos].
Isabel de Herédia é
conservadora e mulher de fé. "Acredito que Nosso Senhor vai-me guiando."
Patrocina várias associações de solidariedade social de apoio a crianças e
doentes. E preside à Real Ordem de Santa Isabel, de que fazia parte Maria de
Jesus Barroso e conta também com Manuela Eanes. "Somos cem senhoras
portuguesas. E depois há também extranumerárias, como era a rainha Fabíola. A
vocação é rezar pela união das famílias. A família é a coisa mais importante
que temos e que hoje é muito atacada por diversas frentes. E um país para ir
bem tem de ter famílias de bem. Mas, além disso, todos os anos damos dinheiro.
Procuramos pelo país onde é que é mais preciso e cada ano damos a uma
instituição diferente. Não temos assim tanto como isso, mas este ano vamos dar
à Casa do Gaiato."
Atenta à realidade política,
não perdoa a ruína a que foram votados os setores produtivos nacionais após a
adesão à CEE. "Agora vêm-nos dizer que a agricultura e as pescas são muito
importantes, mas naquela altura não queriam saber disso para nada. Uma das
coisas que me fazem imensa impressão, e aí também é a diferença que eu aponto
entre um rei e um presidente, é que um rei pensa a 100 anos para a frente. E um
presidente, pensa em quantos anos? Não quer dizer que não haja bons
presidentes, mas quer dizer, pensa muito mais no curto prazo. Agora,
independentemente de monarquia ou república, nesta altura temos é de nos unir
todos para que o país sobreviva, vá para a frente e tenha pelo menos mais mil
anos. Mas devia haver um grupo estratégico que pensasse em 50 ou 100 anos para
a frente."
É tempo de despedidas. São
quase horas de jantar. Já de pé, pergunto se a família é rica. "Para mim
ser rico é uma pessoa ter interesses e não se acomodar. No plano económico,
temos a sorte de fazer bem as contas. Se nós queremos e temos de representar
Portugal, claro que às vezes dava jeito ter um bocadinho mais de dinheiro. Mas
não estamos mal. Não somos ricos, mas também não estamos desesperados."
Ao longo da conversa
repetiu, várias vezes, que "o Duarte era o meu melhor amigo" e que
"nem eu sabia que ia casar-me com ele". Não resisti, por isso, a
perguntar se tem memória do momento em que se apaixonou: "Foi quando uma
prima do meu marido, de quem eu gostava muito e que é muito nossa amiga, se
começou a interessar por ele e eu fiquei furiosa. Foi aí que percebi que ali
havia mais qualquer coisa e que não era só uma grande amizade." E também
nesta história, de rainhas sem coroa que são pessoas como as outras, apesar
"dos altos e baixos como em todos os casamentos", são felizes para
sempre.
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