Postado em 24/05/2014 | Atualizado em 25/05/2014 às 22h11
O destacado professor José Ubaldino Motta do Amaral que palestrou sobre a homenageada, destacando detalhes da vida e dos feitos da Princesa Redentora, conforme transcreve o Blog Monarquia Já através de indicação de seu colaborador e membro do Círculo Monárquico de Juiz de Fora, Jean Menezes do Carmo:
Dona Christine e Dom Antonio de Orleans e Bragança
acompanhados pelo Vereador Cesar Maia
Mais de 100 pessoas estiveram presentes a sessão
da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na homenagem à Princesa Dona Isabel,
pelo transcurso da data comemorativa da Lei Áurea.
Dona Christine e Dom Antonio de Orleans e
Bragança representaram a Família Imperial. Presentes inúmeros membros do
Círculo Monárquico do Rio de Janeiro e monarquistas de diversas entidades, além
do Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, S.E.R., Dom José Palmeiro Mendes, OSB.
O destacado professor José Ubaldino Motta do Amaral que palestrou sobre a homenageada, destacando detalhes da vida e dos feitos da Princesa Redentora, conforme transcreve o Blog Monarquia Já através de indicação de seu colaborador e membro do Círculo Monárquico de Juiz de Fora, Jean Menezes do Carmo:
Exmo. Sr. Vereador
César Maia, Altezas Imperiais e Reais D. Antônio e D. Christine, Príncipes do
Brasil e de Orleans e Bragança, demais membros componentes da Mesa, Senhora e
Senhores.
Pedem-me para falar
sobre a Princesa Isabel, e eu pergunto:
Quem foi a Princesa
Isabel?
Se fôssemos fazer uma
pesquisa de rua, teríamos, com certeza, um resultado espantoso. Não tendo uma
equipe que pudesse realizar tal pesquisa, fiz uma consulta entre pessoas de
minhas relações, parentes, amigos, colegas de faculdade, de trabalho e da
paróquia a que pertenço, empregadas domésticas, operários e até motoristas de
táxi, e verifiquei:
a)
60 entrevistados
(entre 8 e 96 anos, brancos, negros, mulatos e orientais; de analfabetos a
doutores; de ambos os sexos; dos economicamente menos favorecidos aos mais
favorecidos), 36 acertaram sucintamente “Foi a Princesa que libertou os
escravos”; dos 36, somente 8 acertaram a resposta da pergunta: “Por que a
Princesa pôde libertar os escravos?; dos 8, somente 1 acertou o ano em que ela
faleceu.
Obtive
respostas espantosas. Um a associou ao Zumbi dos Palmares; outros disseram que
ela era mulher de D. Pedro II. Uma ainda achava que ela era “a rainha malvada
que mandou matar Tiradentes”. Se perguntarmos por que ela pôde libertar os
escravos, pouquíssimos saberão dizer. Ouvi até que “ela era princesa e podia
fazer o que queria” Quando, eu disse que ela tinha falecido em 1921, foi um
espanto geral. Até hoje, uma dessas entrevistadas, ainda lúcida aos 97 anos
(nascida em 1917), se sente orgulhosa de ter sido contemporânea de Princesa, e
me agradece a informação. A impressão geral que se tem é que ela embarcou para
o exílio e desapareceu nas brumas do oceano.
Qual a causa dessa
desinformação? E quem é a Princesa Isabel?
a)
A
maior personalidade feminina da História do Brasil, entretanto a mais caluniada
e mais difamada.
Viveu 45 anos no
Brasil e 31 no exílio. No Brasil, a partir de 1871, ano em que sancionou a Lei
do Ventre Livre, passou a ser atacada da maneira mais baixa e cruel possível.
Devemos nos lembrar que o partido republicano se originou de uma reação dos
escravocratas contra essa lei. Os republicanos sempre foram aliados dos
escravocratas e, com honrosas exceções, só se tornaram abolicionistas depois da
Lei Áurea. De 1871 a 1889, foi atacada, de maneira brutal, pelos republicanos,
mas não defendida pelos monarquistas. Dizem que os ministros – até conhecê-la
melhor, com honrosas exceções, apenas toleravam-na. Era classificada de inepta,
ignorante, fútil, interesseira – pasmem – adúltera. Em 1889, expulsa do
país pelo golpe militar, ela foi propositalmente esquecida. A imprensa, não
mais tão livre como no Império, a tratava com desprezo e com uma certa ironia,
como se ela tivesse sido um mal necessário ao Brasil.
Entretanto, em 1921,
o presidente Epitácio Pessoa decretou um luto oficial de três dias por seu
falecimento, mas ela voltou a ser realmente lembrada em 1930, quanto caiu a
primeira república (1891-1930), e assim foi até por volta de 1964, quando caiu
a quarta república (1946-64), principalmente em 1946, ano de seu centenário,
quando o túnel do Leme foi duplicado e a aberta a avenida que tem o seu nome.
Façamos um parênteses: hoje estamos na sétima república (1988), o que nos dá
mais repúblicas do que reinados, pois estaríamos no quinto.
A partir de 1988, ano
do Centenário da Abolição, quando procuraram minimizar sua atuação, voltou a
ser caluniada como enquanto aqui vivia. Era o regime republicano, que, não
podendo mais negar seus próprios erros e vícios espalharia boatos sobre erros
imaginários da monarquia, principal- mente, dos atos da Princesa.
A desinformação sobre a Princesa Isabel é proposital. A
Princesa Isabel encarnava as virtudes que e república queria ter e não tinha
por sua origem. Toda a desinformação foi baseada em quatro sofismas que
procuraram desmoralizar sua memória.
1) Julgar personalidades e fatos do passado
pelos padrões atuais (somente Cristo seria aprovado se assim julgado);
2) Confundir república com democracia (As
maiores democracias do mundo atual são as monarquias, citando-se por
continente: Europa, Noruega; Ásia, Japão; África, Marrocos; América, Canadá;
Oceânia, Nova Zelândia;
3)
Identificar
a escravidão com a monarquia (A história da monarquia brasileira é a luta,
durante oitenta anos, contra a escravidão);
4)
Ver na república um
estágio superior do desenvolvimento político (Se assim fosse, a América Latina
seria um paraíso democrático, e absolutamente não o é).
b)
Símbolo da mulher
discriminada e vítima de preconceitos: Ela foi
realmente discriminada. Hoje, os que tanto falam – e com razão – dos
preconceitos e da discriminação sofrida pela mulher através dos séculos, deviam
erigi-la em patrona das discriminadas, pois nenhuma mulher brasileira foi mais
discriminada que ela, e por causa de atributos pessoais dos quais ela não podia
se livrar.
1
– Era Princesa Imperial
A
sucessão ao trono, regulada pelo art. 117 da Constituição de 1824, rezava,
muito claramente, que esta se daria na descendência do Imperador D. Pedro I,
preferindo-se as linha anteriores às posteriores; na mesma linha, o grau mais
próximo ao mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo
sexo, o mais velho ao mais moço. Ela se encaixava neste último item. O
Imperador tivera duas filhas que chegaram à idade adulta: ela e sua irmã mais
moça, Leopoldina. Ora, ela era a mais velha. Mesmo que renunciasse ao cargo,
sua herdeira seria outra Princesa Imperial.
2
– Era mulher;
a mentalidade brasileira era extremamente machista. Ninguém criticava a
Inglaterra e, mais tarde, a Holanda por serem governadas por rainhas.
Até
as mulheres brasileiras não achavam de bom tom uma mulher no trono brasileiro.
3
– Era católica,
mas acusada de ser fanática. O que se entende por fanatismo? As quatro atitudes
do homem frente à vida: saber (ciência), fazer (técnica), sentir (arte) e crer
(fé); o fanático é aquele que não admite nada além da fé; como os positivistas
que chegaram a provocar uma revolta da escola militar contra a obrigatoriedade
da vacina, certas seitas fundamentalistas (que se dizem cristãs), que não
aceitam transfusões de sangue ou de medula; os fundamentalistas islâmicos. Mas
ela não era mais católica do que as senhoras piedosas de sua época. Mais que
isso: era profundamente cristã: amava a Deus sobre todas as coisas, quer se
tratasse de sua pátria ou de sua família. A Deus ela recorreu em todas as
crises da vida: a esterilidade, a política e os problemas de família. Apesar de
não ser atendida em suas preces, ela nunca se revoltou. Na sua última doença,
declarou ao confessor que ia administrar-lhe os últimos sacramentos: “Desejaria
permanecer por mais algum tempo entre os meus, mas Deus sabe o que é melhor
para nós”. Suas devoções nunca atrapalharam suas funções políticas. Poderia
deixar de ser católica? Como seria julgada pela sociedade brasileira se se convertesse
a outra fé? Ou se se declarasse ateia? Criticaram muitos suas devoções. Em
todas as ocasiões dolorosas de sua vida, entregou a Deus a solução delas. Quais
foram essas ocasiões?
ESTERILIDADE:
seis gravidezes e três filhos: dois abortos espontâneos e uma menina natimorta.
Enquanto sua irmã Leopoldina teve quatro meninos, Isabel não teve nenhum. Em
1868, vai a Caxambu, onde paga a promessa antes de receber a graça, a
construção da capela a Santa Isabel da Hungria. Em 1869, ela se oporia a ida do
Conde d’Eu ao Paraguai, temendo que ele morresse antes de ao menos ela lhe ter
podido dar um filho.
Não
havia um real problema de sucessão, porque seus sobrinhos eram seus herdeiros
constitucionais. Mas, havia o forte instinto de maternidade. Mas ela tudo fez para
ser mãe. Em 1871, ao assinar a Lei do Ventre Livre, ela estava grávida.
Abortaria no mês seguinte. Tratando-se na Europa com o Dr. Depaul, ela
engravida, mas voltando ao Brasil, teria a menina que nasceria morta. Em nenhum
desses revezes ela esmoreceu; entregou tudo nas mãos de Deus e continuou a
pedir-lhe a graça da maternidade. Somente ao completar onze anos de casada, em
15 de outubro de 1875, num parto extremamente difícil, atendida pelo mesmo Dr.
Depaul, auxiliado pelo Dr. Sabóia Lima, e pela enfermeira Soyer, juntamente com
seus pais e com a Condessa de Barral, ela dá a um a D. Pedro de Alcântara que,
por causa de trauma sofrido na vértebra cervical, nasceria com o braço esquerdo
paralisado.
SAÚDE
DO FILHO – Passou um ano na Europa. Tratamento deu
resultado. D. Pedro aprovado para as Escolas Militares que frequentou na
Áustria. Era exímio cavaleiro e atirador.
LEI
DO VENTRE LIVRE E LEI ÁUREA – Não tomou decisões
políticas sem dúvidas ou hesitações. Muito pensou, pediu conselhos e teve seus
embates íntimos. “Subi ao meu quarto e, de joelhos, agradeci a Deus ter podido
tomar uma medida tão humanitária”, confessou a amigos, depois de assinar a
sanção da Lei Áurea.
4
– Era casada com um estrangeiro.
Era
preciso que se casasse. A primeira obrigação de um príncipe é a continuidade da
dinastia; seu marido e primo-segundo, Gastão, conde d’Eu, foi verdadeiro “saco
de pancadas” da oposição republicana.
De
início, o Conde d’Eu, de apenas 22 anos, um tanto imaturo, parece ter
pretendido ser autoritário, também no sentido político, para com a esposa. D.
Pedro II tratou de fazê-lo ver seu lugar constitucional. A Princesa Isabel
gostava mais de ser secretariada por ele (dizia que ele preparava-lhe as
“papinhas”), homem extremamente organizado, que nunca jogava fora um papel, do
que de ouvir suas opiniões. Além do mais, muitas vezes suas opiniões divergiam
como acontecia nas sessões do Conselho de Estado, do qual ambos, por regra
constitucional, faziam parte. Era tido como orgulhoso e pouco simpático, por
causa da extrema surdez, que o impedira de aceitar um lugar de professor da
Academia Militar, pois não ia conseguir ouvir as perguntas e respostas dos
alunos. No final da vida, usava um cone acústico. Agiu estritamente dentro da constituição.
Mas a grande divergência, que nos mostra a diferença de caráter de ambos, foi
por ocasião do oferecimento pelos militares golpistas de uma indenização no
valor de quatro toneladas e meia de ouro, ao Imperador para abdicar. A
Princesa, sempre idealista, como foi dito, rejeitou-a horrorizada. O Conde
d’Eu, mais prático, era de opinião de que D. Pedro II deveria aceitá-la.
Todos
os políticos contemporâneos são unânimes em afirmar que o Conde d’Eu não
influenciava em nada a Princesa Isabel.
Nenhuma das causas pelas quais era atacada prejudicava a
nação.
c) Símbolo de um Brasil legítimo,
verdadeiramente brasileiro.
Em
17 de novembro de 1889, foi expulsa do país como indigna de nele viver. Como
isso pôde acontecer? Afinal, sua situação política era perfeitamente legítima e
legal. Donde proviria, então, o direito de se fazer com ela e com toda sua
família o que tinham feito? Se, nas democracias – e o Brasil era a maior
democracia das Américas –, todo poder emana do povo e em seu nome é exercido,
de onde vinha esse poder que a expulsava, já que não provinha do povo nem de
seus representantes legais (O Imperador e a Assembleia Geral [Parlamento])?
A
única resposta que temos é: não vinha do direito, vinha da força, e da força
bruta. Quando dois dias antes, o general Deodoro resolvera, num ato covarde, de
desobediência, de perjúrio, de ingratidão pessoal, e, principalmente, de
antipatriotismo, “proclamar” a república, ele matou, no Brasil, o estado de
direito. Acabou-se, para nós, a força do
direito.
Passaríamos, então, ao direito da força,
mentalidade que, até hoje, vigora entre nós, pois aceitamos como ético qualquer
ato de força, desde que defenda os interesses de uma classe ou de uma corporação,
a que pertençamos ou que nos julguemos pertencer. O pensamento – ensinado nas
Faculdades de Direito – que a força cria um novo direito, anulando o direito
anterior, é totalmente imoral;
transforma o direito
na força do mais forte;
e a lei, neste tipo de direito posto no papel.
Pode existir a legalidade,
mas não há a legitimidade.
Assim, hoje, muitos se horrorizam com as ditaduras fascistas e comunistas que
existiram e ainda existem no mundo, mas se esquecem que elas foram ou são legais,
pois estão dentro da lei que presentemente vigora nesses países. No verdadeiro
pensamento ético, o direito violado se
torna moralmente inalienável. Não há constituição,
lei ou decreto que o anule. A legitimidade nada mais é que o direito
por meio do direito. Se aceitamos o
direito de golpe político, temos que aceitar tudo, até mesmo que os traficantes
de drogas, pessoas e armas se apossem do governo.
Tem-se
a impressão que tal mentalidade do direito da força sempre existiu no Brasil.
Não é verdade. Até 1889, nada no Brasil se fizera na ilegalidade, nem mesmo as
grandes mudanças que nos levaram à igualdade política (soberania,
constitucionalização e a independência), e a caminho da igualdade social
(abolição da escravatura).
A
História do Brasil é uma história constante evolução.
De
uma terra identificada, já em seus domínios teóricos, pelos navegadores
portugueses, no tempo do Rei D. Manuel, e dividida em quinze capitanias por D.
João III, a uma nação politicamente independente, o Brasil evoluiu
constantemente. As mesmas capitanias foram ligadas entre si por um Governo
Geral, que transformado em Vice-Reino, atravessou os séculos XVI, XVII e XVIII.
A
grande mancha, que nos iria acompanhar durante toda a história, foi a escravidão
africana. Não havia outra maneira de levar a colonização à frente, com uma
população branca tão pequena e – diga-se de passagem – avessa ao trabalho
braçal. Porque, para o português, o trabalho braçal era indigno. A Península
Ibérica cristã, invadida e dominada pelos mouros muçulmanos, levou 700 anos
para expulsá-los. O mouro ficou, para sempre, no espírito ibérico, como símbolo
do inimigo anticristão. Mas o mouro trabalhava no campo, mourejava. Ora, assim,
tal trabalho era mal visto pelo cristão que queria ser cavaleiro. Daí, em
última análise, a necessidade do braço escravo negro na colonização brasileira.
Foi
uma colonização boa? À primeira vista foi inferior às colonizações espanhola e
inglesa. O português, sempre tendo que se defender da absorção castelhana,
nunca pode admitir uma nação múltipla. Assim, sua política nunca foi a de
desenvolver a colônia senão para sustentar a metrópole. Tal política havia de
provocar reações da identidade nacional que se formava. Quando tais reações
estavam chegando a um ponto crítico, uma personalidade internacional tomou uma
resolução decisiva.
Em
1807, o Imperador Napoleão Bonaparte, ao ver que Portugal não se submeteria à
sua vontade (bloqueio continental) decretou sua extinção e sua divisão entre
seus aliados, mas não imaginava o benefício que estava fazendo ao Brasil. O
Príncipe Regente D. João, ao fugir com o governo português para a colônia, se
tornaria o fundador da nacionalidade brasileira,
e iria redimir todos os erros cometidos pela
colonização lusa, dando-nos soberania
e a unidade política, enquanto a América Espanhola se fragmentava em repúblicas
mais ou menos lamentáveis, que se tornariam, rapidamente, objeto da ambição e
da cobiça do imperialismo dos Estados Unidos. Realmente, D.
João VI fez o Brasil progredir trezentos anos em treze
(1808-21).
E
a evolução brasileira continuou, cada vez mais rapidamente: em 1808, de colônia
explorada, com as quinze capitanias, passamos a sede da monarquia portuguesa,
com dezoito províncias; em 1815, a Reino Unido a Portugal e Algarves, obtendo,
assim, nossa soberania; e, em 1821, a monarquia constitucional.
Ao
tentar desfazer as reformas de D. João VI em favor do Brasil, a constituinte
portuguesa (cortes) provocou o movimento da independência, apoiado pelo Regente
D. Pedro, que se tornaria o Imperador D. Pedro I. A revolução da independência
foi uma revolução legítima, pois manteve a nossa evolução, manteve os nossos
direitos à soberania nacional que já possuíamos.
A
Constituição de 1824 não foi outorgada como geralmente se ensina. A outorga dá
ideia da cessão de um direito. Ora, D. Pedro I não tinha nem se sentia com
direitos de soberano absoluto, por isso não se pode dizer que ele outorgava
nada ao povo. Essa outorga já havia sido feita por D. João VI em 1820, ao
aceitar o fim do absolutismo no Reino-Unido. A Constituição de 1824 apenas não
foi feita por uma constituinte eleita, mas nomeada, e esse fato a tornou
superior a qualquer das sete (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988) que a
seguiram; é considerada, hoje, por todos os estudiosos, brasileiros e
estrangeiros, como um monumento jurídico. Ela nos daria a estabilidade política
por quase 70 anos. A criação de um poder neutro, fiscal, apartidário, o Poder
Moderador, foi de um acerto extraordinário. Com ele, o Brasil continuou a
evoluir politicamente. Quando exercido por pessoas não habilitadas, de 1831 a
1840, no chamado período regencial, a unidade nacional quase naufragou. Um
menino de 16 anos incompletos, conseguiu recuperar o país. Por que? Porque ele
era, como seu avô e seu pai, um símbolo vivo da nação.
Resolvido
o problema da unidade, sobrava o problema social da escravidão. Hoje em dia,
muito se costuma identificar a monarquia com a escravidão, a alegação foi muito
usada na propaganda republicana na época do Plebiscito.
Pelo
contrário: a história da monarquia brasileira resume-se em sua luta contra a
escravidão. D. João VI já demonstrara comiseração para com os negros. D. Pedro
I, em 7 de abril de 1831, teve de abdicar – sabe-se hoje – porque a Fala do
Trono, com que ia abrir a Assembleia Geral (Parlamento) em 3 de maio,
solicitava aos deputados que pensassem numa solução para o problema escravo.
Conhecem-se
as leis antiescravagistas durante o reinado de D. Pedro II: a Lei Eusébio de
Queiroz (Lei do Trafico), que proibia o tráfico negreiro; a Lei Paranhos (Lei
do Ventre Livre), que declarava livres os filhos nascidos de escravas; a Lei
Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários), que libertava os escravos aos sessenta
anos de idade; e finalmente a Lei Áurea, que extinguia a escravidão no Brasil.
A
Princesa Isabel esteve ligada a dois desses fatos. Ela, como regente do
Império, em lugar de seu pai, como chefe do Poder Moderador e chefe nominal do
Poder Executivo, sancionara as duas leis, respectivamente em 28 de setembro de
1871 e em 13 de maio de 1888.
Costuma-se
considerar que o golpe militar que nos impôs a república foi uma consequência
da abolição da escravatura. A Princesa teria sacrificado seu trono em prol dos
escravos. Realmente, ela arriscou que os senhores de escravos, que tiveram sua
propriedade confiscada pela Lei Áurea, viessem a eleger uma maioria
republicana. O Presidente do Conselho de Ministros (Primeiro-Ministro) teria,
assim, de ser escolhido dentre essa maioria. Ele, certamente, solicitaria da
Câmara uma lei que abolisse a monarquia, que deveria ser – tal como cerca de 60
anos mais tarde aconteceu na Islândia, ao separar-se da Dinamarca – sancionada
pelo Imperador. A tal circunstância realmente ela se arriscou. Mas, o que
aconteceu foi algo inteiramente diferente: o partido republicano perdeu duas
das quatro cadeiras que ocupava na Câmara. A Princesa passou a gozar de imensa
popularidade. Onde quer que aparecesse era ovacionada. Desapontados, os
republicanos viram que só poderiam chegar ao poder através de um golpe de
força. Aproveitaram-se do
desentendimento do Partido Liberal com o Clube Militar, espalharam boatos e
aconteceu o que aconteceu.
Sabemos
muito de sua vida no Brasil. Felizmente, há inúmeras boas obras a seu respeito,
escritas por pesquisadores sérios e isentos, desde Pedro Calmon até Jacobina
Lacombe. Há mesmo um que só trata de suas gravidezes (sempre de risco) e seus
partos difíceis, de Barros Simões. Documentação preciosa se encontra nos
Arquivos do Castelo d’Eu, hoje em poder do Itamarati, no Museu Histórico, no
Museu Imperial em Petrópolis, no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, para
citar somente os mais importantes.
Entretanto,
de sua vida no exílio, pouco se fala. Todos os seus biógrafos tratam seus
últimos trinta anos de vida em poucas páginas, no máximo em um capítulo. Até
mesmo Alberto Rangel que em sua obra “Gastão de Orleans, o último Conde d’Eu”,
abrevia os trinta anos em poucas páginas. Fato bem estranho, pois ele, como
historiador e bibliotecário, foi contratado pela Família Imperial para
organizar os Arquivos do Castelo d’Eu.
Desse
período temos fontes fidedignas:
1)
Um Jovem Príncipe Cristão – D. Luis Gastão do Brasil (Um jeune Prince Chrétien
– Louis d’Orléans-Bragance), de Monsenhor René Delair (tradução publicada na
Internet)
2)
De todo Coração (Tout m’est Bonheur), de Isabel de Orléans e Bragança, condessa
de Paris (tradução publicada)
3)
Minha Mãe, a Princesa Imperial Viúva (Le Temps de ma Mère), de Pia Maria,
Princesa Imperial do Brasil, condessa Renato de Nicolaÿ (tradução não
publicada)
4)
Memórias, de Alberto Latapie, administrador
do Castelo d’Eu (já traduzido e não publicado)
5)
Correspondência passiva – Arquivos do Castelo d’Eu
6)
Correspondência ativa – Em vários arquivos.
Podemos
dividir esses 31 anos em três período. O primeiro que vai de 1891 a 1901,
depois de ser obrigada a aviver modestamente com uma mesada dada pelo sogro,
ela, com a herança recebida de D. Teresa Cristina, adquire o palacete de
Boulogne-sur-Seine (1895), onde instala sua casa brasileira, inclusive com uma
pequena capela, onde introniza a Rosa de Ouro, condecoração que merecidamente
recebera do Papa Leão XIII. É o período em que o casal se dedica à educação dos
três filhos, matriculados, primeiramente, no Colégio Stanislas, em Vaugirard e,
mais tarde na Escola Militar de Wienner-Neustadt, e Mariahilfestrasse, em
Viena, ambas na Áustria, de onde os três sairiam oficiais do exército imperial
austro-húngaro.
Nesse
período, em 1895, Alberto Latapie é contratado. Falecem o Duque de Nemours e
sua filha Margarida Czartoryska. Trava conhecimento com José Sarto, Patriarca
de Veneza. Ela felicita-o por ter sabido que ele aprovara, depois de uma
entrevista, a entrada de uma negra sudanesa, num convento nas irmãs
canossianas. Como ela, ele mostrara não ter preconceito de raça. Este patriarca
se tornaria o Papa Pio X, hoje São Pio X; a negra sudanesa, Santa Josefina
Bakhita.
Dá-se
a tragédia do incêndio do Bazar de Caridade, em 4 de maio de 1897, onde morre a
Duquesa de Alençon. O Conde d’Eu estava na Itália em visita a um tio. A Princesa,
que colaborava com a concunhada, Duquesa de Alençon, teve de voltar para casa cedo, e pediu a
Latapie que levasse um recado à Duquesa. Ele chegou e encontrou o local em
chamas. “Soube que Cândido Guimarães – amigo de seus filhos – tinha chegado,
perguntado se D. Isabel estava em casa e – resposta positiva – tinha lhe
contado que o Bazar de Caridade, onde havia muita gente, tinha sido destruído
por um incêndio, e que estavam muito preocupados com a duquesa de Alençon, de
quem nada sabiam o que tinha acontecido. Imediatamente, a Princesa pediu o
coche e dirigiu-se sozinha a Paris. Não quis levar Latapie, nem D. Antônio (15
anos), considerado muito jovem para ver corpos carbonizados. Os outros filhos
estavam na Áustria. Ela voltou tarde; tinha empreendido todas as buscas
possíveis e imagináveis. No Palácio da Indústria, para onde tinham sido levados
os corpos das vítimas, não se tinha ainda certeza de que a duquesa de Alençon
estava entre os irreconhecíveis”.
Realmente, seu corpo somente foi reconhecido por seu dentista, através
da arcada dentária.
O
segundo vai de 1901 a 1914. Os filhos atingem a maioridade e cada um recebe seu
diploma nas respectivas escolas militares. D. Antônio, o mais moço, se apaixona
pela princesa Adelaide de Bourbon-Parma, filha do Duque de Parma, que não
aceita sua corte, apesar de seus pais e a Princesa e o Conde d’Eu aprovarem o
casamento. Com o falecimento do Duque de Parma, em 1907, ela e duas irmãs se
tornam monjas beneditinas. Desiludido, ele decide não mais se casar, e passa
ter uma vida um tanto folgada, com namoros e casos amorosos, para o desespero
da Princesa, sempre preocupada com a salvação da alma dos filhos.
Nessa
época, seu marido adquire o castelo d’Eu. Construção com cerca de 300 anos, teve, em
1902, toda a parte sul destruída por um violento incêndio que poupou apenas
a capela e o banheiro. Seu proprietário, o Duque
de Orléans, Chefe da Casa Real de França, pretendia demolir o que restava dele,
mas, em 1904, aceitou vendê-lo ao Conde d’Eu. Infelizmente, este preferiu
adquirir somente o castelo, mas não a floresta anexa, e aplicar seu dinheiro em
ações na Bolsa de Paris. Foi um erro fatal. O castelo não pôde se manter sem a
floresta e seus herdeiros acabaram tendo de vendê-lo na década de 1960. Mas, em
1905 os trabalhos de restauração foram levados a cabo pelo Conde d'Eu e, mais
tarde, por seu filho D. Pedro de Alcântara. Nessa propriedade, o Conde d’Eu se sentiu realizado. Na vida política do
Brasil, fora um verdadeiro “saco de pancadas”. Agora, estava na França, onde
não era mais hostilizado, e instalado no castelo que levava o seu nome. Não
podemos deixar de lhe dar uma certa razão. Talvez essa plena realização
entristecesse um pouco a Princesa Isabel, sempre saudosa do Brasil. Sua neta, a
Condessa de Paris, testemunha que seus avós habitavam os mesmos aposentos,
conversavam muito, nunca discutiam, mas jamais riam.
Vai
a Roma algumas vezes. Tem entrevistas com os papas Leão XIII e Pio X. Bento XV
não a conheceu. Seu pontificado teve a duração da I Guerra Mundial. E ela, só saiu
uma vez da França, para ir a Espanha.
Sempre
manteve contatos epistolares com o Brasil. Politicamente, desaprovou o uso da
força para uma restauração da Monarquia. A muitos (João Alfredo, Gunbçeton
Daudt, Visconde de Maracaju) concedeu licença a ela solicitada para exercerem
cargos no governo, já que eram para o bem do Brasil. O único a nunca aceitar
cargo algum apesar de sua licença, foi o Visconde Taunay, que ficou numa
situação de penúria, mas sempre fiel à memória do “seu Imperador” e à “sua
Imperatriz”.
Nessa
época, D. Luís conhece a princesa Maria Pia de Bourbon-Siília, sua
prima-segunda, filha do Conde de Caserta, Chefe da Casa Real das Duas Sicílias,
então exilado em Cannes. A princesa era um tipo de beleza. Declarou aos pais
que só se casaria com ele e com mais nenhum outro. Ele comunicou aos pais que
desejava pedi-la em casamento, aprovado totalmente pela Princesa Isabel, pois o
Conde e a Condessa de Caserta eram seus primos-irmãos. Esse casamento levaria
quase cinco anos para se realizar.
A
Casa Real de França em vias de extinção. O Conde d’Eu vê a possibilidade de
criar um ramo francês em sua descendência. Tenta convencer a D. Luís de
renunciar seus direitos brasileiros para se candidatar a essa presumida
herança, mas este se nega peremptoriamente. Mas D. Pedro de Alcântara
cede. Mais ou menos na mesma época que o
irmão, ele tinha conhecido a condessa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz, da alta
nobreza da Boêmia, cujo castelo passou a frequentar. Mas a condessa não é
aceita pela Casa Real de França, por não ter sangue real (Alteza). É a condição
que D. Pedro exige para sua renúncia. No documento da renúncia, ele não cita o
motivo. Se citasse, ela seria inconstitucional, pois a Constituição de 1824 não
tratava no casamento dos príncipes, mas somente de uma imperatriz reinante.
A
Princesa sentiu que sua família, que era, até então, a Família Imperial do
Brasil, se dividia. Foi obrigada a aceitar – desculpem-me a expressão – aquela
“desculpa esfarrapada” de um casamento desigual. Ela, pessoalmente, não nutria
sentimentos tão aristocráticos como a Casa Real de França. D. Pedro de
Alcântara renunciou aos seus direitos para atender o desejo paterno. Aplicaram
um dispositivo francês na Família Imperial brasileira. Criou-se uma condição
supraconstitucional, que não tinham direito de criar, pois só a Assembleia
Geral Imperial (então inexistente) tinha autoridade de alterar a Constituição.
Isso, naturalmente, não invalida essa renúncia, nem a todas que a seguiram
através dos tempos.
13
de julho de 1905 – Santos Dumont cai com seu balão sobre uma árvore da
propriedade vizinha, ficando preso entre os galhos até ser retirado por
bombeiros. A princesa Manda-lhe um farnel para que almoçasse ali mesmo e lhe dá
uma medalha de São Bento, protetor contra acidentes. Ele que se torna amigo de
seus filhos, tendo mesmo levado com ele em seus voos.
Os
dois mais velhos se casam em 1908. Pela praxe, D. Luís, como herdeiro da Chefe
da Casa Imperial, teria que se casar em sua cidade, Boulogne-sur-Seine, já que
lhe era interdito casar-se no Brasil. D. Pedro de Alcântara, em Chotebor,
castelo da família dos condes Dobrzensky. Entretanto, este se casa em Versalhes
(14-11), depois de seu irmão ter-se casado em Cannes (04-11). Fato
inexplicável.
Vieram os netos, Pedro Henrique (1909), Luís
Gastão (1911), e Pia Maria (1913), de D. Luís; Isabel (1911) e Pedro Gastão
(1913), de D. Pedro de Alcântara. Constatada a gravidez de sua nora Maria Pia,
o ideal seria que o primogênito de D. Luís nascesse no Brasil, hipótese
impossível. Mas houve um gaúcho que ofereceu à Princesa Isabel (mediante recado
verbal, pois carta podia ser aberta e seu plano denunciado) sua estância na
fronteira uruguaia, que punha à disposição da princesa Maria Pia, com médicos e
todo o pessoal necessário, para que tivesse ali o seu bebê, já que o casal
poderia viajar até o Uruguai e ela, não exilada por lei, atravessar a
fronteira, acompanhada de parentes. Outro, baseando-se no mesmo fato e
comunicando-se da mesma maneira, achava que ela deveria desembarcar no Rio de
Janeiro, usando seu passaporte francês, com o nome de solteira.
Participa
esses nascimentos com grande alegria. D. Pedro Henrique, conforme mandava a
tradição, nasceu e foi batizado em Boulogne (Palácio da Imperatriz). Teria o
título de Príncipe do Grão-Pará. A água foi levada do chafariz do largo da
Carioca pela baronesa de São Joaquim. O postal com a foto da cerimônia correu o
mundo.
Como
seu herdeiro direto, D. Luís passa a ter uma ação política que literalmente
apavora a república. “Todos ficavam fascinados com aquele moço de olhos azuis, aquele
brasileiro exilado que falava do Brasil sabendo tudo, prevendo tudo, amando
todas as coisas, amando todos os homens de sua terra maravilhosa”.
O
terceiro, após 1914, apesar do nascimento de mais três netos [(Francisca
(1914), João (1916) e Teresa (1919)], foi um período triste, marcado pela I
Guerra Mundial e por dois lutos pessoais.
Com
a declaração de guerra (28-09-1914), os filhos pedem baixa do exército
austríaco, mas foram impedidos de se alistar no exército francês, por serem
descendentes do Rei Luís Filipe. D. Pedro de Alcântara, além do mais, não tinha
condições de se alistar por ser sua esposa súdita austríaca e ter cunhados que
lutavam (um deles, Jaroslau Drobrzensky, morreu na guerra) contra a França. A
negativa francesa bastava para que eles ficassem em casa. Mas, novamente o
Conde d’Eu, sentindo-se francês, força os dois menores a se alistarem, depois
de muitas buscas, no exército inglês. Alega-se que eles iriam fazer o que o pai
tinha feito pelo Brasil, na Guerra do Paraguai. O conde d’Eu era naturalizado
brasileiro, mas os filhos não eram naturalizados franceses. Talvez somente D.
Antônio tivesse essa obrigação.
Não
sabemos o que a Princesa achava disso, mas podemos nos lembrar de que ela se
opusera à ida do marido para o Paraguai. Ela preferia um tratado de paz à vitória
dos aliados: percebera que uma guerra total levaria as monarquias europeias ao
fim. A decisão,
tomada por D. Luís, de lutar pela França, foi, no mínimo, desastrada. Sua morte
traria enorme prejuízo para o movimento monárquico brasileiro.
Acabada a guerra (11-11-1918), D. Antônio,
obrigado a voltar para a Inglaterra e juntar-se à sua corporação, sofre um
acidente aéreo em Londres e falece (29-11-1918), em plena paz.
D
Luís, que já sofria de reumatismo, conforme atesta Latapie, acaba piorando e
termina paralisado numa cadeira de rodas. Teve de se retirar da frente e
batalha e se recolher a Cannes, na casa do sogro, onde o clima era mais ameno
do que em Eu ou em Boulogne. Em 1920, apanha uma pneumonia e morre em poucos
dias (26-03-1920), deixando a viúva e três filhos de 11, 9 e 7 anos, que não
conheciam o Brasil.
Só
então, livre de quem o apavorava, o governo brasileiro resolveu abolir a lei do
banimento. Não temia uma velha senhora e uma viúva com três meninos. Autorizou a vinda dos restos mortais de D.
Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina para o Brasil, e o conde d’Eu veio,
acompanhado de D. Pedro de Alcântara, trazê-los aqui. A Princesa não voltou –
por falta de saúde, alegaram – mas, como diz Jacobina Lacombe, porque não podia
aceitar que um regime espúrio lhe concedesse licença de voltar ao Brasil, sua
pátria. Para cá ela voltaria ou como Imperatriz ou somente morta. Ele nunca
esqueceria que a república fora feita contra o terceiro reinado.
Voltou morta. Seus restos mortais estão hoje,
como os deu marido, na Catedral de Petrópolis.
PRINCIPAIS CIRTUDES DA PRINCESA ISABEL
CARIDADE
– Monsenhor Renato Delair: “Primeiro, o
exemplo da Princesa Isabel, a amiga dos pobres e dos humildes, a quem Monsenhor
André Du Bois de La Villerabel, arcebispo de Ruão, pronunciando sua oração
fúnebre na Colegiada d’Eu, aplicou o texto do versículo 2 do Salmo 40: “Feliz o
que se lembra do necessitado e do pobre” Beatus
qui intelligit super egenium et pauparem. Realmente,
a Princesa se caracterizava pela extrema caridade para com o próximo.
Mas
é à Condessa de Barral devemos a maioria das informações sobre a personalidade
das princesas. Enquanto Leopoldina era mais bonita, mais travessa e mais
voluntariosa, Isabel era doce, “um anjo de bondade” e procurava não magoar
ninguém, sempre cuidando do próximo, fossem eles sua família, os criados do
palácio, ou – até mesmo e quase sempre – os escravos que ia conhecendo. “A
Princesa D. Isabel sempre com sua inalterável bondade e angélica candura que
cada vez mais a metem dentro do meu coração”. Desde criança se interessava
pelos deserdados da sorte: órfãs da Santa Casa, criados do palácio de São
Cristóvão e – escravos. Nisso vemos bem a orientação de seus três educadores: o
Imperador, a Imperatriz e a Condessa de Barral.
A
Baronesa de Suruí e a Condessa de Lajes, damas do paço ainda do tempo de seu
avô, faziam questão de acompanhá-la, em certas ocasiões oficiais, como mandava
o cerimonial, mas devido à idade, não conseguiam acompanhá-la. A Princesa tinha
de diminuir os passos, mas as tratava com toda deferência. “Pobre de sua filha
– escreve a Condessa de Barral a D. Pedro II – que se vê obrigada a arrastar
atrás de si duas velhas”. A Princesa só as dispensou quando as mesmas pediram
aposentadoria.
Em
outubro de 1895, o criado Alberto Latapie é contratado e, em suas memórias, nos
informa: “A Princesa me disse que eu estaria a seu serviço como lacaio e prometeu
a meu pai que tomaria muito cuidado comigo – o que ela fez durante toda a
vida.
D.
Isabel saía muito e, geralmente, eu ia sempre com ela, sentado na boléia do
landó. Uma vez por mês, às 7 horas da manhã, ela ia a Versalhes onde tinha seu
confessor. Ela tomava o café da manhã na casa paroquial e, de lá, ia ao
encontro da baronesa de Muritiba para passearem por Paris até a hora do almoço,
quando, muitas vezes, o cocheiro aproveitava para trocar os cavalos para o
período após o meio-dia. Nesses passeios, a Princesa fazia muitas visitas:
hospitais, clínicas, pobres, e, frequentemente, lhe faltava dinheiro por serem
tantas as esmolas que desejava dar.
Durante
a guerra, sua nora Elisabeth Dobrzensky ficava numa situação difícil na
família. Era austríaca e a França combatia a Áustria; tinha irmãos combatendo
pelos Impérios Centrais; tinha cunhados combatendo pelos aliados. Mas a
Princesa Isabel, que rezava mais pela paz do que pela vitória, jamais falou
contra os inimigos da França diante da nora e proibiu a todos, parentes e
criados, que fizessem qualquer insinuação que pudesse magoar Elisabeth, como
esta própria atestou.
ALMA
DE APÓSTOLA – Uma vez, teve de pedir dinheiro
emprestado à baronesa de Muritiba e outra vez, a Eufrásia Teixeira Leite, por
ter gastado todo o dinheiro que tinha consigo em doações e esmolas. Num
determinado dia, dirigiu-se à casa bancária que cuidava de suas finanças, sendo
recebida pelo gerente, bastante espantado, já que senhoras raramente ali
entravam, que a conduziu até seu gabinete e lhe forneceu dinheiro necessário.
Numa demonstração de gratidão, deixou-lhe uma medalha de Nossa Senhora
Aparecida, embora ele lhe dissesse que era ateu. E essa medalha ainda existe,
numa caixinha de cristal, espécie de relicário, hoje em poder de um de seus
descendentes, numa vitrine, no salão de um apartamento em Paris, com a
indicação de ser “Medalha da Virgem venerada no Brasil”, um presente da
“Princesa Imperial, Condessa d’Eu em 1899”.
Continua
Latapie: “Nas noites de inverno, uma vez por semana, ela ia à Opera, onde
ocupava o camarote de S.A. o duque de Aumale, tio de seu marido, e, às vezes à Comédie
Française, ao camarote da Senhorita Tetseira, – não sei
se escrevi exatamente o nome – uma
brasileira muito rica. Toda vez que ela ia lá, ela me pagava uma entrada. Muito
tempo depois, eu soube que ela assim fazia para que eu não ficasse por longas
horas, à noite, nas ruas de Paris”.
D.
Isabel recebia muitos pedidos de ajuda de várias instituições de caridade e,
como nada sabia recusar, tinha muito que fazer, principalmente em
correspondência. Ela costumava se deitar muito tarde e, para poupar sua
camareira, contratou outra para atendê-la da meia-noite ao nascer do sol”.
Tinha
uma secretária e respondia 14 a 17 cartas, conforme atesta a Condessa de Paris,
o que daria um total de 72.000. Como podia ser uma correspondência semanal, se
reduzíssemos para uma por dia, teríamos 10.950. Onde estarão elas?
Mandou
instalar as cozinhas econômicas no castelo d’Eu, onde verificava a qualidade da
comida e, muitas vezes, sentava-se com os netos e ali almoçava.
Em 1914, a Princesa providenciou que um hospital
francês e belga fosse instalado nas dependências do Castelo, para atender,
principalmente, os feridos da batalha de Abeville, inclusive prisioneiros
alemães. Graças aos esforços do major Denis Sauzéat, ao auxílio de Marie Curie e à utilização da viatura do Príncipe Pedro de Alcântara,
estabeleceu-se um posto de radiologia em uma das salas do castelo.
Com
os bombardeios de aproximando da cidade, abriu, nos porões do castelo, um
abrigo para a população da cidade, que ficava muito exposta às bombas atiradas
pelos canhões alemães.
Alberto
Latapie testemunha: “Durante a doença de minha mulher, ela exigia que o médico
fosse ao castelo dar-lhe notícias dela, e me presenteou com uma pequena foto da
irmãzinha Teresa do Menino Jesus, que lhe tinha sido dada pela superiora do
Carmelo – que era irmã da irmã Teresa – que ela conservava consigo e não teria
dado a ninguém senão a sua irmã; no dia seguinte à nossa partida para o Brasil,
ela fez uma visita a minha mulher. Depois que ela não mais existia, me
comprometi comigo mesmo a cuidar do conde d’Eu da melhor maneira possível”.
SIMPLICIDADE
– Mas, sua qualidade de caráter mais visível era a simplicidade, qualidade que
a acompanharia durante toda a vida.
Temos de lembrar que a simplicidade que cerca os monarcas atuais da
Europa, já era praxe na nossa monarquia. Apesar de sua posição social, a
Princesa Isabel vestia-se como suas amigas, nada havendo em seu guarda-roupa
que a destacasse. Apenas uma vez, um jornal descreve a elegância de seu
vestido. Normalmente, fazia suas compras na loja “Notre Dame”, na rua do
Ouvidor, como qualquer senhora da classe média. Mesmo suas joias não eram mais
valiosas do que as das damas da sociedade; ela e suas amigas se emprestavam
mutuamente as joias “para variar de “toilette”. Entretanto, era obrigada a ter
o seu “fardão”, vestido creme de longa cauda, bordando em dourado, acompanhado
de um manto cor verde, preso aos ombros, com o qual abria a legislatura na
Assembleia Geral, lendo a Fala do Trono”, versão feminina do traje “papo de
tucano” de seu pai. Era afável com todos, principalmente com os negros a quem
demonstrava imensa piedade. Aí vemos a influência que tiveram em sua educação,
o Imperador (um abolicionista nato), a Imperatriz (a caridade em pessoa,
chamada “Mãe dos Brasileiros”) e a Condessa de Barral (que sempre fora amiga
sincera dos escravos de sua propriedade, libertados por ela antes da Lei
Áurea). Gostava de andar a pé pelas ruas vizinhas ao Paço Isabel, em
Laranjeiras, ou pelos arredores do Paço da Princesa, em Petrópolis, como nos
atestou uma das filhas do Visconde de Taunay que era seu vizinho. Sua
simplicidade foi aumentando com a idade, como atesta Alberto Latapie, seu
mordomo no exílio, no Castelo d’Eu. Sua alimentação era bem frugal, nada
querendo de excessivo para sua comodidade.
Ainda
Latapie: ““Nessa época, D. Antônio foi fazer exercícios de topografia num
lugarejo chamado Amstetten, onde, à noite, se alojava num pequeno albergue. Um
dia, fui informado de que o conde d’Eu e a Princesa estavam por chegar. Fiquei
bastante preocupado. O albergue era muito ruim. Que providência tomar? Mas, as
quarenta e oito horas que o casal passou ali foram muito melhores do que poderia
imaginar: a boa vontade da Princesa resolvia tudo. O conde d’Eu e a Princesa
permaneceram ali, por alguns dias. Alguns dias mais tarde, seus filhos tiveram,
por motivo de sua carreira militar, de se instalar num apartamento bem modesto.
O casal estava lá. D. Isabel veio visitar o apartamento. Ela logo declarou que
achava tudo bem instalado”.
É
claro que, no Brasil, não podia desfazer-se de todas as regalias, das quais,
por sua condição de segunda personalidade do país, era obrigada a gozar. Ela
estava, constitucionalmente, acima de sua mãe, a Imperatriz. Na falta eventual
do Imperador, ela era que deveria tomar as rédeas da nação, e não sua mãe. Mas
as usou de maneira mais simples possível.
Exemplos
de seu sentimento de igualdade. 1868 – Visita a Caxambu, dança com João Pedro
Américo de Mattos, mulato escuro, dono da casa que a hospedava. Mais tarde, no
Paço Isabel, com André Rebouças, engenheiro negro. Ambos a venerariam até o fim
da vida. Seu séquito continha damas “leite, café com leite e café”, criticava o
embaixador francês. Em Paris, no ateliê onde ela fazia seus vestidos, para
tirar-lhe as medidas e acertar-lhe as bainhas, dava preferência a Marie Mbane,
uma costureira senegalesa, educada na França, que ali trabalhava, com quem
sempre procurava conversar.
Que
podemos fazer pela sua memória. No caso eventual da abertura de um processo de
beatificação, devemos, principalmente os jovens historiadores, procurar sua
correspondência ativa e juntá-la num só trabalho. Essa correspondência vai nos
revelar muito de sua personalidade e de suas virtudes.
Podia-se, também, providenciar a trasladação
dos restos de seus dois filhos (Luís e Antônio), de sua nora Maria Pia e de seu
neto Luís Gastão, para o Brasil, já que jazem num canto escuro da cripta de
Dreux, mausoléu da Casa Real de França, à qual nunca pertenceram. Seria bom que
o povo os conhecesse melhor.
Talvez
assim, déssemos a essa princesa brasileira, tão injustiçada pelas gerações
anteriores, algo que, agora, redimisse, de vez, sua memória.
Rio de
Janeiro, RJ, 20 de maio de 2014
José Ubaldino Motta
do Amaral
O site da Câmara Municipal do Rio de Janeiro destaca a iniciativa do Vereador Cesar Maia e do Círculo Monárquico do Rio de
Janeiro.